“Recebi com carinho e com temor o convite para partilhar minha experiência após duas crises de ansiedade. Com carinho por julgar que toda partilha pode ser positiva, uma vez que pode estimular outras pessoas a viverem suas travessias e ao mesmo tempo atestar que elas não estão sozinhas, não importa quão grande seja o desafio. Com temor porque tenho receio de não ter palavras sempre motivadoras e de não saber abordar com clareza o meu próprio quadro.
Bem, nunca tive ou havia vivenciado alguma crise emocional, nunca experimentara nenhum distúrbio psíquico, embora na minha família já existissem um ou outro caso. De qualquer modo, não era uma preocupação presente nos meus pensamentos e inquietações; na verdade, sempre tive uma vida bem regular e sem abalos emocionais extremos.
Mas veio uma viagem para o exterior, em março de 2020 e após longo processo de negociação para viabilizá-la. E no mesmo período se instalou o turbilhão da pandemia. E eu estava isolado, distante dos afetos pessoais e geográficos. Uma combinação arriscada, perigosa. Assim, vivenciei um colapso na metade de abril, seguido de um insistente e prolongado processo de recuperação. Com um esforço descomunal, consegui regressar ao Brasil – para mim, toda recuperação passa necessariamente pela reaproximação dos laços afetivos: dos amores, dos amigos, dos gatos, da casa, do sotaque, do sol e da praia.
Não foi fácil, não tem sido fácil. Precisei aprender a me abrir, a gritar, a expor a minha vulnerabilidade e a demandar cuidados; e precisei introduzir medicação psiquiátrica no meu cotidiano. Eu não censuro o uso de remédios – se existe auxílio medicamentoso, vamos a ele! Mas é que foi tudo muito súbito, sem chance de uma adaptação ao que estava ocorrendo – insônia, medos, isolamento, perda de apetite, digestão revirada, um horror…
Juntamente com o retorno para a casa e para os meus, a ajuda de especialistas foi e tem sido muito importante; ela representa a oportunidade de dispor de uma escuta especializada e que, na melhor das combinações, manifesta preocupação atenta ao seu quadro. Isto faz uma diferença imensa; uma clareza que só se afirma após atravessada parte da jornada…
Mas descobri também que este processo de recuperação não segue uma curva progressiva ou previsível; no meio do caminho, tropecei, tive nova crise, reiniciei a recuperação. Hoje, estou bem melhor. Vez ou outra, um sintoma leve se manifesta e algum pensamento bobo (quase sempre a lembrança dos dias de fobia e agonia) vem incomodar; mas vou aprendendo a dissipar estas ideias e a construir um cotidiano estável.
Faço atividades físicas com regularidades; ouço música; vejo filmes; procuro aconchego nos meus gatos; busco o ombro do meu companheiro; cochilo quando bate a vontade; desacelero as demandas imprescindíveis; recuso as pressões possíveis; e aprendi a ver o meu ofício com ainda mais prazer. Não sei se tudo pode ser lido como vitória definitiva; é melhor não lidar com expectativas e previsões demasiadas. Mas vou me familiarizando com a certeza de que é possível recomeçar sempre que o interior ameaça desabar. Basta dispor de um entorno saudável.”